Não é só a pressão provocada pelos exercícios que contraem a musculatura do abdômen. Durante o esforço da evacuação, a parede abdominal funciona como uma prensa, prensa de que as mulheres também se valem, na hora do parto, para expulsar o feto do interior do útero.
Existem dois tipos de hérnias inguinais que ocorrem com mais frequência: a direta e a indireta.
Já a direta ( imagem 2), como o próprio nome sugere, forma-se diretamente num ponto da parede abdominal enfraquecida, que se rompe, permitindo a penetração de um segmento do intestino na bolsa escrotal.
A imagem 3, num corte lateral do abdômen de um indivíduo do sexo masculino – porque a incidência de hérnias inguinais é maior nos homens – mostra como a alça intestinal foi empurrada para baixo e formou uma hérnia dentro da bolsa escrotal.
FORMAÇÃO DE HÉRNIAS INGUINAIS
Drauzio – O que explica essa fraqueza na parede abdominal que favorece a formação de hérnias inguinais?
Paulo Alberto Corrêa – Hérnia é uma afecção frequente que vem sendo estudada desde a Grécia antiga. Na verdade, a palavra hérnia vem mesmo do grego e quer dizer botão ou rutura.
O canal inguinal é uma região potencialmente fraca da parede abdominal. Por ele, durante a vida intrauterina, passaram os testículos para alojar-se na bolsa escrotal. Esse pequeno espaço é coberto por músculos que deveriam fechá-lo durante a contração abdominal. Entretanto, muitas pessoas têm a inserção desses músculos mais alta, o que torna o espaço maior. Além disso, com o passar dos anos, costuma ocorrer lassidão muscular, isto é, os tecidos ficam naturalmente mais frouxos e podem sofrer rutura que permite a passagem não só de um segmento do intestino delgado e grosso, mas também de outros órgãos da cavidade abdominal.
Drauzio – A fraqueza da parede abdominal é congênita? Ou seja, algumas pessoas nascem com tendência à formação de hérnias?
Paulo Alberto Corrêa – É uma característica constitucional. Tem a ver com o biótipo do indivíduo. Embora não exista uma relação genética imediata (do tipo se o pai tem hérnia, o filho obrigatoriamente irá ter), em algumas famílias, a incidência de hérnia inguinal é maior.
No entanto, é preciso considerar que os movimentos intestinais e a dificuldade para urinar, por exemplo, são fatores de risco para a formação de hérnias, porque podem provocar aumento da pressão abdominal e, consequentemente, rutura de tecidos.
FATORES DE RISCO
Drauzio – Há atividades físicas que facilitam a formação de hérnias?
Paulo Alberto Corrêa – Toda a atividade que exige emprego de grande força física pode facilitar o aparecimento de hérnias, principalmente nas pessoas com predisposição. Portanto, atletas de alta performance, trabalhadores braçais, indivíduos com constipação intestinal (prisão de ventre), ou que desenvolveram problemas na próstata e fazem força para urinar, estão mais sujeitos ao aumento da pressão intra abdominal, que pode provocar rutura dos tecidos e o aparecimento de hérnia.
Especificamente em relação ao exercício físico que muitos jovens gostam de fazer nas academias, é preciso esclarecer que eles podem levantar pesos se a atividade for feita de forma lenta e progressiva, respeitando o ritmo de adaptação do organismo. Se tiverem história familiar de hérnias, porém, pode ser que venham a apresentar a afecção, mas não há como prever nem prevenir que isso aconteça. Por isso, acho que as pessoas devem levar a vida sem se preocupar muito com essa possibilidade. Caso o problema se manifeste, cabem as providências disponíveis para trazê-las de volta à normalidade.
Drauzio – Quais os exercícios que mais podem provocar a formação de hérnias inguinais?
Paulo Alberto Corrêa – Todos os exercícios que fazem a musculatura contrair-se de forma a aumentar a pressão dentro da cavidade abdominal e a rutura dos tecidos. Entre eles, destacam-se os exercícios de agachamento e dos membros superiores e inferiores, assim como os exercícios isotônicos e os isométricos.
Drauzio – Correr e nadar também estão nessa lista?
Paulo Alberto Corrêa – Natação é o esporte que mais respeita nosso organismo em termos de articulações e musculatura. Por isso, é recomendado por todos e especialmente pelos profissionais ligados à medicina esportiva. Já a corrida seguramente leva ao aumento da pressão abdominal e, por ser um exercício constante que produz impacto, pode facilitar o aparecimento de hérnias inguinais. Caminhar e andar de bicicleta causam menor dano e podem ser praticados com tranquilidade.
PREVENÇÃO E SINTOMAS
Drauzio – O que podem fazer as pessoas com tendência à formação de hérnias inguinais para prevenir seu aparecimento?
Paulo Alberto Corrêa – Não existe prevenção. Portanto, se não há como prevenir, o indivíduo deve levar vida normal. Caso tenha tendência, a pessoa correrá o risco de desenvolver uma hérnia e deve procurar tratamento tão logo sinta uma dorzinha e um abaulamento na região inguinal.
Existem próteses para evitar que a hérnia progrida. São cintas elásticas e fundas que mantêm forte pressão sobre o ponto em que está havendo rutura do tecido. Essas próteses, porém, acabam interferindo na qualidade de vida dos portadores de hérnia. A única forma de tratamento eficaz é a cirurgia.
Drauzio – Como é que a pessoa percebe que têm uma hérnia inguinal?
Paulo Alberto Corrêa – Voltando à etimologia da palavra, hérnia quer dizer botão ou rutura. É preciso lembrar também que a região inguinal, no homem, fica entre o pênis e a ossatura da bacia e, na mulher, entre a vulva e o osso da bacia. Nos dois gêneros, é uma região bastante restrita, do lado esquerdo e direito do corpo. Por isso, a hérnia pode ocorrer em um dos lados do corpo ou ser bilateral.
O primeiro sintoma da hérnia é um abaulamento ou nódulo na região inguinal, acompanhado de dor e desconforto quando a pessoa se levanta ou pratica alguma atividade física. Quando se deita ou fica quieta, a hérnia se recolhe e o nódulo desaparece.
Drauzio – A dor sempre aparece?
Paulo Alberto Corrêa – Habitualmente, sim. Uma das primeiras queixas do portador de hérnia é dor local e limitação para atividades físicas mais vigorosas.
Drauzio – Como evolui a hérnia que não recebe tratamento?
Paulo Alberto Corrêa – Muitos indivíduos saem correndo assim que notam o aparecimento de uma hérnia com medo das complicações. Na verdade, a doença vai evoluindo gradativamente. Não aparece uma hérnia enorme de uma hora para outra. Ela começa pequena e vai aumentando de acordo com o esforço físico despendido. Com o passar dos anos, porém, as hérnias podem ocupar espaços bastante grandes. Em alguns casos, quando descem para a bolsa escrotal, podem chegar até os joelhos, se não forem tomadas as providências terapêuticas adequadas.
Portanto, ao registrar o primeiro sintoma, a pessoa deve procurar um médico. Primeiro, para certificar-se que é realmente uma hérnia; depois, para informar-se sobre o melhor momento para livrar-se dela.
TRATAMENTO
Drauzio – As hérnias, quando aparecem, podem beneficiar-se de compressores locais, as fundas, que antigamente eram muito populares, mas representam um tratamento paliativo. Hoje, está provado que só a cirurgia promove a cura definitiva. Qual é o momento ideal para indicá-la?
Paulo Alberto Corrêa – Hérnias inguinais muito pequenas ou muito grandes raramente complicam. O risco maior está nas hérnias de tamanho intermediário, porque o intestino sai pelo orifício e não consegue voltar. Sofre um encarceramento. Como, às vezes, pode ocorrer uma rotação, o sangue deixa de circular, e aquele segmento intestinal gangrena, fica necrosado. Essa é uma situação de emergência que não existe quando a hérnia é pequena ou muito grande, circunstâncias que permitem programar a melhor data para a cirurgia.
Ninguém mais discute que, quanto menor a hérnia, maior o sucesso do tratamento cirúrgico. Se ela crescer muito, os tecidos se tornarão frágeis, a dissecção do saco herniário será trabalhosa e, como consequência, haverá mais inchaço (edema) e mais desconforto no pós-operatório.
Vale repetir, então, que a cirurgia é o único tratamento eficaz para as hérnias e o portador se beneficiará se procurar atendimento médico numa fase precoce da doença.
Drauzio – Isso quer dizer que não existem remédios para o tratamento das hérnias?
Paulo Alberto Corrêa – O único remédio é o bisturi.
Drauzio – Você tocou num ponto fundamental. As hérnias muito pequenas não provocam complicações, porque não dão espaço para o intestino penetrar. Nas muito grandes, o espaço é suficiente para o intestino penetrar na bolsa escrotal e movimentar-se dentro dela. O problema são as hérnias de tamanho intermediário que podem estrangular o intestino. Conhecidas como hérnias estranguladas, elas são as de maior risco…
Paulo Alberto Corrêa – Essa situação deve ser evitada, porque exige tempo maior de internação hospitalar e pressupõe risco de infecção grave e perda de um segmento do intestino, pois não basta só a correção da hérnia. O intestino que sofreu estrangulamento e, às vezes, rotação, precisa ser ressecado, isto é, o paciente perderá parte do intestino e receberá uma anastomose (sutura entre as duas extremidades que foram cortadas). Dependendo da idade, esse quadro, que é grave, pode tornar-se mais perigoso ainda.
Há casos em que a pessoa tem uma hérnia encarcerada crônica, isto é, uma hérnia com espaço bastante grande para o intestino entrar e sair à vontade. No entanto, se ingerir um alimento que fermente mais, o gás pode impedir essa movimentação, e o desconforto só diminui à medida que ele for sendo eliminado. Desse modo, o paciente consegue conviver com hérnias volumosas, com pequeno risco de estrangulamento, embora a qualidade de vida seja ruim. É muito importante não deixar o quadro chegar a esse ponto, uma vez que o resultado da cirurgia não será tão bom quanto ao das realizadas em fase mais precoce.
Drauzio – Você poderia explicar o que é anastomose nas cirurgias das hérnias estranguladas?
Paulo Alberto Corrêa – O segmento do intestino que ficou encarcerado no anel herniário sofre perda da circulação e entra em necrose. Por isso, precisa ser retirado. Sobram, então, duas partes viáveis do intestino que são unidas e costuradas para recompor o caminho por onde passarão os alimentos durante o processo de digestão. Essa costura pode ser feita com fios cirúrgicos ou com grampos metálicos.
Drauzio – Nesses casos, a cirurgia é complicada porque não se restringe à parede abdominal, uma vez que é preciso intervir no intestino…
Paulo Alberto Corrêa – Dependendo da extensão do problema, se não há segurança de que a área ficou bem irrigada, é preciso fazer uma laparotomia, ou seja, abrir o abdômen para olhar internamente. Daí a importância do tratamento precoce. Ele é fundamental para evitar complicações que requerem procedimentos mais agressivos.
O orifício herniário é recoberto com a tela, o que evita puxar a musculatura e a aponeurose em direção da arcada inguinal. A tela simplesmente cobre o espaço em que havia fraqueza do tecido abdominal, como se fosse um manchão de pneu. Trata-se de uma técnica indolor que reduziu drasticamente os índices de recidiva das hérnias inguinais para um em cada dois mil casos operados. Feita com anestesia local não requer internação hospitalar. O paciente é operado, levanta e vai embora para casa.
Drauzio – Você disse que a tela pode ser colocada facilmente com anestesia local…
Paulo Alberto Corrêa – Em geral, faz-se um pequeno corte na região inguinal, dissecam-se os tecidos e coloca-se a tela na região em que há fraqueza da parede abdominal. Se as hérnias pélvicas volumosas forem dos dois lados, pode-se fazer uma incisão que vai do umbigo até a região do púbis, passa-se por trás dos músculos, ultrapassa-se o peritônio que cobre as alças intestinais e coloca-se uma tela bastante grande para fechar todos os espaços onde elas ocorrem. Essa via posterior de acesso é bastante utilizada nas hérnias bilaterais volumosas, porque, em vez de dois cortes, faz-se um corte só e o índice de recidiva é baixíssimo.
Drauzio – Como essas cirurgias podem ser feitas por via laparoscópica?
Paulo Alberto Corrêa – Seguindo os mesmos passos da cirurgia por via posterior, é possível corrigir as hérnias inguinais por laparoscopia. Através de um pequeno furo no umbigo, coloca-se um aparelho ótico acoplado a uma câmara de televisão e examina-se o intestino. Por outros dois pequenos furos, são introduzidas pinças e uma tesoura. Localizado o espaço entre o peritônio e a musculatura da região inguinal em que a parede está comprometida, coloca-se a tela. Esse método tem a vantagem de ser praticamente indolor e permitir que a cirurgia seja realizada sem cortes, através de três pequenos furos, mas tem o inconveniente de exigir anestesia geral e internação hospitalar. Além disso, o material laparoscópico é caro.
O outro ponto crítico dessa técnica é o fato de violar a cavidade peritoneal. Por isso, alguns cirurgiões desenvolveram a técnica extraperitoneal (igual à da cirurgia de Stoppa), em que não é necessário penetrar na cavidade intra-abdominal. Através dos três buraquinhos, separa-se a musculatura da região do peritônio e coloca-se a tela, exatamente do mesmo modo que se faz, quando existe o corte que vai do umbigo até o púbis. Isso representa ganho real para o paciente, que recebe alta no dia seguinte ao da operação.
Drauzio – Você disse que a colocação da tela por via cirúrgica podia ser feita no consultório sob anestesia local e que os resultados são até muito bons. Difícil dizer que outra técnica deva ser empregada no lugar dessa que oferece tantas vantagens.
Paulo Alberto Corrêa – Quem tem preferido a técnica laparoscópica extraperitoneal, por exemplo, são os atletas de alta performance que precisam recobrar logo a atividade física e os indivíduos preocupados com a estética, porque os três pequenos orifícios feitos para introduzir os aparelhos deixam marcas mínimas. Em relação aos resultados futuros das duas técnicas cirúrgicas, a céu aberto e por laparoscopia, estudos têm mostrado que o risco de recidivas é praticamente o mesmo. Em vista disso, particularmente, acho que, ponderando os custos, em termos populacionais, é melhor optar pela cirurgia por via anterior com a tela. Entretanto, a decisão final fica sempre por conta do paciente que pode ter motivos para optar pela cirurgia por via extraperitoneal.
Fonte: http://piletasblog.blogspot.com.br/
Não é só a pressão provocada pelos exercícios que contraem a musculatura do abdômen. Durante o esforço da evacuação, a parede abdominal funciona como uma prensa, prensa de que as mulheres também se valem, na hora do parto, para expulsar o feto do interior do útero.
Existem dois tipos de hérnias inguinais que ocorrem com mais frequência: a direta e a indireta.
Já a direta ( imagem 2), como o próprio nome sugere, forma-se diretamente num ponto da parede abdominal enfraquecida, que se rompe, permitindo a penetração de um segmento do intestino na bolsa escrotal.
A imagem 3, num corte lateral do abdômen de um indivíduo do sexo masculino – porque a incidência de hérnias inguinais é maior nos homens – mostra como a alça intestinal foi empurrada para baixo e formou uma hérnia dentro da bolsa escrotal.
FORMAÇÃO DE HÉRNIAS INGUINAIS
Drauzio – O que explica essa fraqueza na parede abdominal que favorece a formação de hérnias inguinais?
Paulo Alberto Corrêa – Hérnia é uma afecção frequente que vem sendo estudada desde a Grécia antiga. Na verdade, a palavra hérnia vem mesmo do grego e quer dizer botão ou rutura.
O canal inguinal é uma região potencialmente fraca da parede abdominal. Por ele, durante a vida intrauterina, passaram os testículos para alojar-se na bolsa escrotal. Esse pequeno espaço é coberto por músculos que deveriam fechá-lo durante a contração abdominal. Entretanto, muitas pessoas têm a inserção desses músculos mais alta, o que torna o espaço maior. Além disso, com o passar dos anos, costuma ocorrer lassidão muscular, isto é, os tecidos ficam naturalmente mais frouxos e podem sofrer rutura que permite a passagem não só de um segmento do intestino delgado e grosso, mas também de outros órgãos da cavidade abdominal.
Drauzio – A fraqueza da parede abdominal é congênita? Ou seja, algumas pessoas nascem com ten
Paulo Alberto Corrêa – É uma característica constitucional. Tem a ver com o biótipo do indivíduo. Embora não exista uma relação genética imediata (do tipo se o pai tem hérnia, o filho obrigatoriamente irá ter), em algumas famílias, a incidência de hérnia inguinal é maior.
No entanto, é preciso considerar que os movimentos intestinais e a dificuldade para urinar, por exemplo, são fatores de risco para a formação de hérnias, porque podem provocar aumento da pressão abdominal e, consequentemente, rutura de tecidos.
FATORES DE RISCO
Drauzio – Há atividades físicas que facilitam a formação de hérnias?
Paulo Alberto Corrêa – Toda a atividade que exige emprego de grande força física pode facilitar o aparecimento de hérnias, principalmente nas pessoas com predisposição. Portanto, atletas de alta performance, trabalhadores braçais, indivíduos com constipação intestinal (prisão de ventre), ou que desenvolveram problemas na próstata e fazem força para urinar, estão mais sujeitos ao aumento da pressão intra abdominal, que pode provocar rutura dos tecidos e o aparecimento de hérnia.
Especificamente em relação ao exercício físico que muitos jovens gostam de fazer nas academias, é preciso esclarecer que eles podem levantar pesos se a atividade for feita de forma lenta e progressiva, respeitando o ritmo de adaptação do organismo. Se tiverem história familiar de hérnias, porém, pode ser que venham a apresentar a afecção, mas não há como prever nem prevenir que isso aconteça. Por isso, acho que as pessoas devem levar a vida sem se preocupar muito com essa possibilidade. Caso o problema se manifeste, cabem as providências disponíveis para trazê-las de volta à normalidade.
Drauzio – Quais os exercícios que mais podem provocar a formação de hérnias inguinais?
Paulo Alberto Corrêa – Todos os exercícios que fazem a musculatura contrair-se de forma a aumentar a pressão dentro da cavidade abdominal e a rutura dos tecidos. Entre eles, destacam-se os exercícios de agachamento e dos membros superiores e inferiores, assim como os exercícios isotônicos e os isométricos.
Drauzio – Correr e nadar também estão nessa lista?
Paulo Alberto Corrêa – Natação é o esporte que mais respeita nosso organismo em termos de articulações e musculatura. Por isso, é recomendado por todos e especialmente pelos profissionais ligados à medicina esportiva. Já a corrida seguramente leva ao aumento da pressão abdominal e, por ser um exercício constante que produz impacto, pode facilitar o aparecimento de hérnias inguinais. Caminhar e andar de bicicleta causam menor dano e podem ser praticados com tranquilidade.
PREVENÇÃO E SINTOMAS
Drauzio – O que podem fazer as pessoas com tendência à formação de hérnias inguinais para prevenir seu aparecimento?
Paulo Alberto Corrêa – Não existe prevenção. Portanto, se não há como prevenir, o indivíduo deve levar vida normal. Caso tenha tendência, a pessoa correrá o risco de desenvolver uma hérnia e deve procurar tratamento tão logo sinta uma dorzinha e um abaulamento na região inguinal.
Existem próteses para evitar que a hérnia progrida. São cintas elásticas e fundas que mantêm forte pressão sobre o ponto em que está havendo rutura do tecido. Essas próteses, porém, acabam interferindo na qualidade de vida dos portadores de hérnia. A única forma de tratamento eficaz é a cirurgia.
Drauzio – Como é que a pessoa percebe que têm uma hérnia inguinal?
Paulo Alberto Corrêa – Voltando à etimologia da palavra, hérnia quer dizer botão ou rutura. É preciso lembrar também que a região inguinal, no homem, fica entre o pênis e a ossatura da bacia e, na mulher, entre a vulva e o osso da bacia. Nos dois gêneros, é uma região bastante restrita, do lado esquerdo e direito do corpo. Por isso, a hérnia pode ocorrer em um dos lados do corpo ou ser bilateral.
O primeiro sintoma da hérnia é um abaulamento ou nódulo na região inguinal, acompanhado de dor e desconforto quando a pessoa se levanta ou pratica alguma atividade física. Quando se deita ou fica quieta, a hérnia se recolhe e o nódulo desaparece.
Drauzio – A dor sempre aparece?
Paulo Alberto Corrêa – Habitualmente, sim. Uma das primeiras queixas do portador de hérnia é dor local e limitação para atividades físicas mais vigorosas.
Drauzio – Como evolui a hérnia que não recebe tratamento?
Paulo Alberto Corrêa – Muitos indivíduos saem correndo assim que notam o aparecimento de uma hérnia com medo das complicações. Na verdade, a doença vai evoluindo gradativamente. Não aparece uma hérnia enorme de uma hora para outra. Ela começa pequena e vai aumentando de acordo com o esforço físico despendido. Com o passar dos anos, porém, as hérnias podem ocupar espaços bastante grandes. Em alguns casos, quando descem para a bolsa escrotal, podem chegar até os joelhos, se não forem tomadas as providências terapêuticas adequadas.
Portanto, ao registrar o primeiro sintoma, a pessoa deve procurar um médico. Primeiro, para certificar-se que é realmente uma hérnia; depois, para informar-se sobre o melhor momento para livrar-se dela.
TRATAMENTO
Drauzio – As hérnias, quando aparecem, podem beneficiar-se de compressores locais, as fundas, que antigamente eram muito populares, mas representam um tratamento paliativo. Hoje, está provado que só a cirurgia promove a cura definitiva. Qual é o momento ideal para indicá-la?
Paulo Alberto Corrêa – Hérnias inguinais muito pequenas ou muito grandes raramente complicam. O risco maior está nas hérnias de tamanho intermediário, porque o intestino sai pelo orifício e não consegue voltar. Sofre um encarceramento. Como, às vezes, pode ocorrer uma rotação, o sangue deixa de circular, e aquele segmento intestinal gangrena, fica necrosado. Essa é uma situação de emergência que não existe quando a hérnia é pequena ou muito grande, circunstâncias que permitem programar a melhor data para a cirurgia.
Ninguém mais discute que, quanto menor a hérnia, maior o sucesso do tratamento cirúrgico. Se ela crescer muito, os tecidos se tornarão frágeis, a dissecção do saco herniário será trabalhosa e, como consequência, haverá mais inchaço (edema) e mais desconforto no pós-operatório.
Vale repetir, então, que a cirurgia é o único tratamento eficaz para as hérnias e o portador se beneficiará se procurar atendimento médico numa fase precoce da doença.
Drauzio – Isso quer dizer que não existem remédios para o tratamento das hérnias?
Paulo Alberto Corrêa – O único remédio é o bisturi.
Drauzio – Você tocou num ponto fundamental. As hérnias muito pequenas não provocam complicações, porque não dão espaço para o intestino penetrar. Nas muito grandes, o espaço é suficiente para o intestino penetrar na bolsa escrotal e movimentar-se dentro dela. O problema são as hérnias de tamanho intermediário que podem estrangular o intestino. Conhecidas como hérnias estranguladas, elas são as de maior risco…
Paulo Alberto Corrêa – Essa situação deve ser evitada, porque exige tempo maior de internação hospitalar e pressupõe risco de infecção grave e perda de um segmento do intestino, pois não basta só a correção da hérnia. O intestino que sofreu estrangulamento e, às vezes, rotação, precisa ser ressecado, isto é, o paciente perderá parte do intestino e receberá uma anastomose (sutura entre as duas extremidades que foram cortadas). Dependendo da idade, esse quadro, que é grave, pode tornar-se mais perigoso ainda.
Há casos em que a pessoa tem uma hérnia encarcerada crônica, isto é, uma hérnia com espaço bastante grande para o intestino entrar e sair à vontade. No entanto, se ingerir um alimento que fermente mais, o gás pode impedir essa movimentação, e o desconforto só diminui à medida que ele for sendo eliminado. Desse modo, o paciente consegue conviver com hérnias volumosas, com pequeno risco de estrangulamento, embora a qualidade de vida seja ruim. É muito importante não deixar o quadro chegar a esse ponto, uma vez que o resultado da cirurgia não será tão bom quanto ao das realizadas em fase mais precoce.
Drauzio – Você poderia explicar o que é anastomose nas cirurgias das hérnias estranguladas?
Paulo Alberto Corrêa – O segmento do intestino que ficou encarcerado no anel herniário sofre perda da circulação e entra em necrose. Por isso, precisa ser retirado. Sobram, então, duas partes viáveis do intestino que são unidas e costuradas para recompor o caminho por onde passarão os alimentos durante o processo de digestão. Essa costura pode ser feita com fios cirúrgicos ou com grampos metálicos.
Drauzio – Nesses casos, a cirurgia é complicada porque não se restringe à parede abdominal, uma vez que é preciso intervir no intestino…
Paulo Alberto Corrêa – Dependendo da extensão do problema, se não há segurança de que a área ficou bem irrigada, é preciso fazer uma laparotomia, ou seja, abrir o abdômen para olhar internamente. Daí a importância do tratamento precoce. Ele é fundamental para evitar complicações que requerem procedimentos mais agressivos.
O orifício herniário é recoberto com a tela, o que evita puxar a musculatura e a aponeurose em direção da arcada inguinal. A tela simplesmente cobre o espaço em que havia fraqueza do tecido abdominal, como se fosse um manchão de pneu. Trata-se de uma técnica indolor que reduziu drasticamente os índices de recidiva das hérnias inguinais para um em cada dois mil casos operados. Feita com anestesia local não requer internação hospitalar. O paciente é operado, levanta e vai embora para casa.
Drauzio – Você disse que a tela pode ser colocada facilmente com anestesia local…
Paulo Alberto Corrêa – Em geral, faz-se um pequeno corte na região inguinal, dissecam-se os tecidos e coloca-se a tela na região em que há fraqueza da parede abdominal. Se as hérnias pélvicas volumosas forem dos dois lados, pode-se fazer uma incisão que vai do umbigo até a região do púbis, passa-se por trás dos músculos, ultrapassa-se o peritônio que cobre as alças intestinais e coloca-se uma tela bastante grande para fechar todos os espaços onde elas ocorrem. Essa via posterior de acesso é bastante utilizada nas hérnias bilaterais volumosas, porque, em vez de dois cortes, faz-se um corte só e o índice de recidiva é baixíssimo.
Drauzio – Como essas cirurgias podem ser feitas por via laparoscópica?
Paulo Alberto Corrêa – Seguindo os mesmos passos da cirurgia por via posterior, é possível corrigir as hérnias inguinais por laparoscopia. Através de um pequeno furo no umbigo, coloca-se um aparelho ótico acoplado a uma câmara de televisão e examina-se o intestino. Por outros dois pequenos furos, são introduzidas pinças e uma tesoura. Localizado o espaço entre o peritônio e a musculatura da região inguinal em que a parede está comprometida, coloca-se a tela. Esse método tem a vantagem de ser praticamente indolor e permitir que a cirurgia seja realizada sem cortes, através de três pequenos furos, mas tem o inconveniente de exigir anestesia geral e internação hospitalar. Além disso, o material laparoscópico é caro.
O outro ponto crítico dessa técnica é o fato de violar a cavidade peritoneal. Por isso, alguns cirurgiões desenvolveram a técnica extraperitoneal (igual à da cirurgia de Stoppa), em que não é necessário penetrar na cavidade intra-abdominal. Através dos três buraquinhos, separa-se a musculatura da região do peritônio e coloca-se a tela, exatamente do mesmo modo que se faz, quando existe o corte que vai do umbigo até o púbis. Isso representa ganho real para o paciente, que recebe alta no dia seguinte ao da operação.
Drauzio – Você disse que a colocação da tela por via cirúrgica podia ser feita no consultório sob anestesia local e que os resultados são até muito bons. Difícil dizer que outra técnica deva ser empregada no lugar dessa que oferece tantas vantagens.
Paulo Alberto Corrêa – Quem tem preferido a técnica laparoscópica extraperitoneal, por exemplo, são os atletas de alta performance que precisam recobrar logo a atividade física e os indivíduos preocupados com a estética, porque os três pequenos orifícios feitos para introduzir os aparelhos deixam marcas mínimas. Em relação aos resultados futuros das duas técnicas cirúrgicas, a céu aberto e por laparoscopia, estudos têm mostrado que o risco de recidivas é praticamente o mesmo. Em vista disso, particularmente, acho que, ponderando os custos, em termos populacionais, é melhor optar pela cirurgia por via anterior com a tela. Entretanto, a decisão final fica sempre por conta do paciente que pode ter motivos para optar pela cirurgia por via extraperitoneal.
Fonte: http://piletasblog.blogspot.com.br/